Carrapatos e Onças - Por Cláudia Gaigher

Imagine só mostrar os diferentes pantanais. Isso mesmo. Quem vê as belas imagens da região pensa que é tudo igual: abundância de bichos, lagoas, rios e paisagens de cartão-postal. Mas, na prática, são diferentes regiões dentro de um mesmo Pantanal. Para quem vive lá, o Pantanal é muito mais que isso: é uma paixão arrebatadora daquelas que tiram o fôlego e plantam milhares de perguntas em nossas mentes. O Pantanal foi mar? Como essa região se formou? Como viver num lugar que passa meses alagado, não tem estradas para todo lado nem farmácia na esquina? Nos aventuramos no desafio de encontrar respostas.
Eu, o repórter cinematográfico Ronaldo Balla, o técnico José Reinaldo e o produtor Sérgio Carvalho saímos de carro de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Traçamos um roteiro e começamos pelo lado triste: carvoarias. Fornos queimam dia e noite e fornecem combustível natural para as siderúrgicas do Sudeste e Centro Oeste. Uma cena de dar dó. Não combina, é uma contradição triste, que mostra a realidade de um lugar que agoniza silenciosamente. E fomos nós, atrás de histórias. A do peão que virou carvoeiro foi uma descoberta do acaso. Eu estava sentada num tronco no meio da carvoaria batendo papo com o funcionário, quando ele me contou que era da região e que ficava muito triste por estar ajudando a destruí-la. Uma história de vida comovente. Vânio Ramão Guedes, ou seu Nico, o peão carvoeiro.
Tristezas à parte, fomos atrás das salinas! Por causa delas, as tais lagoas de água salgada, surgiu a lenda de que o Pantanal foi mar: o Mar de Xaraés. Tudo invenção de conquistadores em séculos passados. O lugar nunca foi mar. No máximo, um deserto. E para chegar à região, são 130 quilômetros de estrada de terra Pantanal adentro.Velocidade: 40 quilômetros por hora, quando estamos correndo! E dá-lhe ponte. Contei 13. E são aquelas pinguelinhas de madeira, que você reza para não desabar. E as porteiras? Só nessa viagem até a fazenda onde íamos filmar as salinas foram 37! Detalhe: elegemos o produtor para ser o "menino da porteira". Coitado! Abriu todas na ida e na volta. E como no Pantanal não há placa de sinalização na estrada, o jeito é se guiar pelas fazendas. Eu, Reinaldo e Balla, que já percorremos a região há dez anos, conhecemos bem os caminhos. Mas como Pantanal é sempre uma surpresa, eis que estávamos quase na fazenda quando a "navegadora" aqui falou: “Vira ali naquela porteira que vamos entrar na terra das salinas”. Entramos e... nos perdemos. Quase uma hora depois, voltamos à mesma porteira. Andamos em círculo. Quando estávamos ficando preocupados, olhamos para o chão e tinha lá, caída na areia, uma pequena placa: Fazenda Barranco Alto. Era só entrar e percorrer uns míseros quilômetros para chegar à sede. Demos boas gargalhadas. O produtor desceu do carro e fez pose com a plaquinha para não nos perdermos de novo.
Mas tudo bem. Se perder às vezes é bom para entender a imensidão pantaneira. Ficamos três dias no local. Um sol lindo, uma luz maravilhosa, uma paisagem fantástica e um defeito: carrapatos! Me embrenhei no mato e, por conta disso, peguei todos os carrapatos que estavam por perto. Contei 53 e desisti de tentar fazer o ranking. Passei remédio e pedi a Deus para eles largarem meu corpo. Coça demais! Um horror.
Da região do Rio Negro, fomos para o Rio Miranda. Águas que já foram consideradas as mais fartas em peixes e onde agora não é nada fácil fisgar um peixão como troféu. Entramos no rio às 7h e saímos à meia-noite. Um frio danado.
Nessas viagens, restaurante é coisa que não existe. Tínhamos ou que comer nas fazendas que recebem turistas ou levar lanche. Nos entupimos de pão com queijo. E os famosos "rói-rói", apelido carinhoso que demos aos biscoitinhos de sal estilo "tranqueira", que fazem qualquer nutricionista torcer o nariz.
Uma coisa que ninguém imagina: em junho faz frio no Pantanal. Durante os 18 dias de gravações, enfrentamos um frio de rachar. Pior: em alguns lugares onde dormimos não tinha energia, e o banho era gelado mesmo.
Quando estávamos indo ao Nabileque, uma região isoladíssima, levamos quatro horas e meia para percorrer 83 quilômetros. A chuva transformou a estrada em um atoleiro esburacado. O carro "pulava" tanto que tínhamos que fazer paradas rápidas para esticar as pernas e tentar colocar os ossos no lugar. No fim do dia, ainda tivemos de deixar o carro na margem do Rio Nabileque, pegar o barco à noite e nos embrenhar pelos aguapés até chegar à fazenda onde gravaríamos a onça e o peão fazendeiro. Deu um medo danado, porque barco não tinha farol. Eu rezava quietinha para chegar logo. E por falar em rezar, estou devendo a Nossa Senhora umas três promessas e uns cinco anos de Ave-Maria. Eu explico: fomos gravar a onça-pintada no lugar onde a "bicha" fica ilhada e ataca o gado. Até aí, tudo bem. Fomos a cavalo (mais carrapato!!!) e depois entramos a pé pela mata. Meu coração quase explodiu no peito. Eu ia atrás da dona Eronildes, que mora na fazenda e não tem medo de onça. A matilha disparou pelo mato. Um cheiro de onça me arrepiava os cabelos (onça tem um cheiro característico: meio adocicado, meio de carne) A equipe ia atrás dos cães e nada da onça. Mas eu sentia que ela estava ali, nos olhando. O risco de algo dar errado era tão iminente que chegou uma hora em que fiquei com muuuuuuito medo e empaquei. Abri os braços no meio da mata e gritei: “PÁRA TUDO!!! ESSE NEGÓCIO TÁ PERIGOSO, E ACHO QUE TEMOS DE VOLTAR!!!". Só que não dava para falar para a onça que a gente tinha desistido dela. Mas a equipe entendeu, e finalmente saímos do mato.
Para nós, essa aventura foi um grande prazer. Espero que vocês também tenham se divertido e viajado com a gente por esse pedaço de Brasil.


Um abraço e até a próxima,
Cláudia Gaigher Repórter

Nenhum comentário:

Reserve aqui!

De onde vem os internautas