COMITIVA
Quando o fim do dia chega
Trazendo as sombras da locas
E as seriemas empoleiradas
Acordam os sonolentos curiangos
E o vento sul entra pelas frestas
Do rancho de bacuri coberto
Anunciando os frios de Maio
E açoitando os palas e ponches puitãs
Nas mãos, um amargo reconforto
Com a guampa de boi tucura
Em cuia de mate transformada
A erva forte da “ilex matogrossensis”
Milenar bebida das tribos Guarani
E lentamente sorvida
Através de bombilhos de pau santo
No fogo de lenha de angico e capitão
A chocolateira chia
Tendo a casca do tarumã por remédio
E as crianças em meio aos cães
Amontoadas sobre um couro de cervo
Ruminam côcos amarelos de bocaiúvas
Ouvem estórias de Pé-de-Garrafa e Pombeiro
Do Pai do Mato e do Jaguaretê-Avá
Contadas pelos velhos peões
Enquanto a guampa faz seu giro sagrado
Passando de mão em mão
E o suco verde da erva
Cancheada em barbacuá
Desce esquentando o corpo e o coração
No rancho de bacuri, iluminado pela lua nova
No rancho de bacuri, iluminado pela lua nova
Às margens do Rio Miranda
Nos contra-fortes da Serra de Bodoquena
Na descida do Pantanal
Os homens de pele acobreada cortam látegos
Trançam couro, arrumam charruas,
Aparam tentos, ensebam as tralhas de arreio
Preparam-se para o dia nascente
No pátio, a tropa grameia pacientemente,
Seguindo de perto a mula madrinha
Com o barulho estridente do cincerro
Atenta ao movimento no potreiro vizinho
Quando o bagual tordilho reúne a manada
Que passara a noite no malhador
Refúgio contra os mosquitos e jaguaretês.
Os burros zurram para a lua
E um touro franqueiro jaguané,
Antiga descendência de Portugal e Espanha
Insulta, cavando a terra com os longos guampos
Os demais touros do lugar,
Reunidos em curralão de arame de nove fios
E postes de aroeira lampinada
Formam um mar salinado de chifres escuros
Pelagem branca e proeminentes cupins
Mostrando a descendência indiana de Ongole
Aguardam no pouso a continuação da viagem
E os homens de chapéu carandá
E os homens de chapéu carandá
Guaiaca e arreadores de argolas niqueladas
Trazendo a cintura faixas coloridas
A preciosa faca “coqueiro”, a “palmeira” e chaira
E no alforge bem escondido
O tão necessário quanto hoje ilegal,
O pau de fogo, o “companheiro “, o berro,
O fazedor de viúvas e filhos guachos,
Em suas diversas marcas, calibres e estórias.
Os homens de botas e botinas
Aguardam o fim da noite longa
A espera de um guri descalço
Assoviando a polca “Guirá Campana”
Montado em pêlo num petiço lobuno
Tocar a tropa da comitiva
E o velho Retiro Louro se agita
Como no antes tempo
Quando não havia caminhão
Com o pouso das boiadas
Levando para o planalto
O gado do Pantanal !!!
Marcus Antonio Karaí Mbaretê Ruiz
Raoni Mbarete Echeverria Ruiz
3 comentários:
Que bela poesia... um encantamento para quem já vivenciou uma saida de boiada , a comitiva pegando o estradão...cheguei a ouvir o barulho do polaco do pescoço dos burros ....
Que semsibilidade ... é um retrato cada vaz mais raro deste MS QUE que querem transformar num mar de cana onde não há espaço para o homem pantaneiro, o gado, o cavalo, e a cultura milenar do Pantanal. Parabens ao poeta !!!!
Realmente eu vivi uma experiência assim no Campo dos Índios, quando meu sogro foi tirar um gado comprado no Tigre e na Santa Otilinha. Uns kadiweu eram os peões e a noite fomos jantar com o cacique Candinho . Lá vi crianças sobre couro de cervo conendo porco monteiro assado ,vão redor da fogueira.E o que fala a poesia. Tudo muito real.
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